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sexta-feira, fevereiro 27, 2004

Brasil! Na na na na na na nana... Na na na na na nanana..Brasil! Brasil!!! 

Aí vou eu. Nove dias de ausência. Férias merecidas. Sol de que a minha pele e a minha alma precisam. E também umas noites bem animadas... Porto Seguro, no Brasil é o destino. Vou com a Pipa e com a Raquel , uma das minhas melhores e insubstituíveis amigas. E soube, ainda há pouco, que o Rodrigo, um dos meus outros grandes amigos, mas há uns aninhos afastado das funções, tambem vai. Estou, portanto em pulgas!! Reencontro com os velhos tempos, num país diferente, grande calor a animar o espírito e a causar loucuras saudáveis ( espero) ao corpo! Vou tentar entrar em directo para a"Prova Oral" num dos dias da próxima semana, por isso, se quiserem que vos faça uma invejazinha, estejam atentos para saber quando é. Por aqui é que não sei se conseguirei passar. Talvez para colocar umas fotos.
Beijos, abraços e carinhos e até à minha volta, no dia 7 de Março. Não se preocupem, que aproveitarei por vocês.... e regressarei cheia de inspiração para escrever novas estórias.

quarta-feira, fevereiro 25, 2004

...que é tão pouco perto de ti 


Nada demais se não fosses tu.
Que me dás a luz no olhar,
Que me ofereces fogo no coração.

Nada demais se o vento não falasse
E me sussurrasse a certeza do amor.
Que se entranhou até ao fim do inicio da alma.

Nada demais sem a nossa certeza.
Nada demais sem as nossas mãos.
E o respirar. E transpirar. E moldar.

Nada demais se os Minutos não fossem Horas.
Nem a distância ainda mais longe quando não estás aqui.
Nem o sabor se tornasse amargo por não beber de ti os teus beijos.

Nada demais se o futuro não fosse hoje.
Que o é, que se faz a cada dádiva.
A cada palavra.

Nada demais se não fosses macio,
Por dentro e por fora. Suave e áspero como a areia do deserto.

Nada demais se a minha Alma ainda coubesse em mim. Que não cabe. E foge para se colar à tua pele. Até ao fim dos tempos. Até ao Fim das horas. Até ao fim da ternura dos Dias... que não vão ter fim Nunca.

Nada demais, se não fosse demais.
E é tanto assim, que o próprio mais,
Se torna de menos para dois seres
Assim como nós....

Tudo demais ... que é tão pouco perto de ti !!



Olha só para a minha felicidade, só de te pensar...

sexta-feira, fevereiro 20, 2004

so you want to be a writer?  

if it doesn't come bursting out of you
in spite of everything,
don't do it.
unless it comes unasked out of your
heart and your mind and your mouth
and your gut,
don't do it.
if you have to sit for hours
staring at your computer screen
or hunched over your
typewriter
searching for words,
don't do it.

if you're doing it for money or
fame,
don't do it.
if you're doing it because you want
women in your bed,
don't do it.
if you have to sit there and
rewrite it again and again,
don't do it.
if it's hard work just thinking about doing it,
don't do it.
if you're trying to write like somebody
else,
forget about it.


if you have to wait for it to roar out of
you,
then wait patiently.
if it never does roar out of you,
do something else.

if you first have to read it to your wife
or your girlfriend or your boyfriend
or your parents or to anybody at all,
you're not ready.

don't be like so many writers,
don't be like so many thousands of
people who call themselves writers,
don't be dull and boring and
pretentious, don't be consumed with self-
love.
the libraries of the world have
yawned themselves to
sleep
over your kind.
don't add to that.
don't do it.
unless it comes out of
your soul like a rocket,
unless being still would
drive you to madness or
suicide or murder,
don't do it.
unless the sun inside you is
burning your gut,
don't do it.

when it is truly time,
and if you have been chosen,
it will do it by
itself and it will keep on doing it
until you die or it dies in you.

there is no other way.

and there never was.

- Charles Bukowski

quarta-feira, fevereiro 18, 2004

Carta ao sérgio e também a vocês 

"Olá,

Espero que não leves a mal o meu comentário. Não pretendo ser maldoso nem deitar abaixo gratuitamente. É a opinião sincera de alguém que respeita a tua imagem e até admira algum do teu trabalho.

A verdade é que a tua escrita é sofrível, pretensiosa e cheia de lugares comuns. A blogosfera está na moda, toda a gente parece ter um blog e também terás direito ao teu, mas deves ter consciência que o link para o teu blog já é uma piada que circula em emails. Eu mesmo conheci o blog assim e senti que devia avisar-te que estás a cair no ridículo.

Boa sorte para outros tipo de projectos,

Sérgio "




Pensei pouco, antes de fazer esta carta aberta. Fui impulsiva e assim tal e qual me saiu. Fi-lo, tal como faço com os meus textos. Deixei-me ser genuína e verdadeira.

Confesso que fiquei magoada e triste, não pela crítica em si – não se consegue agradar a todos -, mas pela sombra, que a hipótese de ter virado anedota entre os bloguistas pseudo intelectuais e os seus recadinhos internos, me causou. Ninguém gosta de virar piada, a não ser que assim o queira. E eu não quero. Tal, como não quero também ser prémio nobel da literatura, nem quero vangloriar-me dos tais textos "pretensiosos" que escrevo. Sempre gostei de escrever, sem qualquer tipo de pretensão ou orgulho cego, sublinho, e talvez pelo facto de existir agora uma "Prova Oral" na minha vida, achei que seria a altura de partilhar algumas das minhas coisas com quem gosta de mim. E com quem não gosta também.

Esta sou eu, sem rodeios, as coisas que gosto, os olhares que tenho, as minhas atenções despertadas. Existe só um problema...Chamo-me Rita Mendes. E isso, para vocês, pelo menos para pessoas como o Sérgio e os seus amigos é complicado. Tenho uma imagem, apareço nas revistas, pareço ser desapegada das coisas do mundo e divirto-me nas festas... Logo não posso escrever!! Ou se no faço, obviamente que o terei de fazer mal...

É com uma espécie de filtro que lêem os meus contos, com um olhar desconfiado que absorvem as minhas palavras. Afinal eu sou "aquela miúda da televisão". Isso sim, enquanto princípio, deixa-me derreada, o olhar do preconceito e da não compreensão. Não pretendo entrar em qualquer papel vitimizado, nem sequer em guerras verbais com quaisquer senhores supostamente mais eloquentes do que eu, que acreditam que escrever se baseia em técnicas literárias, escolas e jogos de palavras caras...ou até ainda, em miriades de citações constantes de autores, por todos aclamados. É, que a verdade, é que dando uma vista de olhos, pelos tais blogs que se consideram na blogoesfera é também isso que encontro: ideias iguais que se partilham de blog em blog, sempre as mesmas referências, os mesmos autores, as mesmas frases, os mesmos livros, filmes e uma série de textos - a que pessoalmente acho até mais graça - sobre as trivialidades irónicas da vida e a poesia que a mesma desperta. Mas, atenção: bons textos...porque não foi a Rita Mendes que escreveu. Sim, porque essa, tem que virar piada...

Continuarei a passar por aqui, a aproveitar melhor o meu tempo, do que aqueles que o gastam a criticar. Continuarei a mostrar às poucas pessoas que passam ainda por este meu espaço, quem eu sou realmente. O que sinto, o que escrevo faço-o com a alma, faço-o quase como terapia. E por isso, como me fica bastante mais barato do que ir ao psicanalista não vejo razões para o deixar de fazer.

E termino, chamando , mais uma vez a atenção para os olhares toldados e limitados da gente do nosso país. Para os rótulos infundados que se colocam, para as ideias formadas que se tem de quem não se conhece, para à má língua que se serve às mesas de café, para a análise feitas aos outros em vez da auto análise. E para um olhar mais atento e profundo par as vítimas do vosso ataque.

Muitas vezes, apetece-me recomeçar e não sei como. Chamo-me Rita Mendes e tenho um curriculo em televisão. Ah e até apareci na "Maxmen", não nos esqueçamos... Simpático? Em alguns momentos nem por isso .Terei que mudar de nome, arranjar um pseudónimo? . Terei de sair do país durante uns tempos? Ou terei, unicamente e devido ao facto de ser uma pessoa sensível à injustiça, que dar inevitável e constantemente de caras com Sérgios e companhia pela vida fora e tentar-me justificar, sem porém ter de o fazer?

Pois é Sérgio, se tenho algum tipo de pretensão e de lugares comuns na minha escrita, acabaste de o conseguir provar, até porque estas são sem dúvida, as palavras do meu blog cujo desejo, e agora sim, provavelmente de forma pretenciosa - até porque todos pretendemos sempre alguma coisa - é efectivamente, apelar às boas intenções, em vez de às maldosas, ao incentivo em vez de às vontades destrutivas e até ao próprio sentimento de abertura de espírito. Sempre aprendi que o preconceito e a segregação são coisas muito feias.

E nem sempre tudo o que parece é.




domingo, fevereiro 15, 2004

Está riscado, porra!! 

Por vezes parece que vivemos numa sociedade de autistas.

Vim, até à praia, a um dos restaurantes melhor frequentados. Tem uma esplanada, que hoje, inexplicávelmente, "por ser hora de almoço", estava fechada, por isso, acabei por me sentar num outro espaço interior com mesas baixinhas, sofás e uma gigante janela de frente para o mar. Aí pode-se tomar um chá ou comer uma óptima sopa de tomate, ficar bem no quentinho recolhido de uma tarde de Inverno e ver os putos a surfar... Fantástico, não?
Parecia que sim. Até que me apercebi do problema. O cd que servia de música de fundo, ou neste caso barulho de fundo, desculpem, que mais tarde descortinei ser a voz do Frank Sinatra engasgada, estava riscado. Assim ficou por mais de 15 minutos. E parecia que ninguém percebia. Incomodou-me. E muito.
Pouco depois, um dos smokings de avental branco que forrava um dos senhores empregados, parecia ter reparado na coisa. Graças a Deus, nem toda a gente tem ouvidos moucos!! Mas não...Deve ter, efectivamente achado estranha aquela batida pouco coerente e repetitiva, mas em vez de mudar o disco ainda colocou o som mais alto. E o Frank continuava como que a sofucar em frente ao mar e ninguém a ajudar...
E eu, sozinha, a tentar ler o jornal sem me enervar muito. Concentrava-me nas letras, nas imagens, nos sons que as palavras lidas podem ter dentro da nossa cabeça, mas continuava a ser invadida por um suave desconforto auditivo, apesar do cenário maravilhoso que estava à frente do meu já vazio prato de sopa de tomate com ovo. Agora já sem sopa, nem ovo, claro.

Para mim, a música faz parte da minha vida. Melómona assumida e viciada sem querer cura. É uma das partes mais importantes da minha existência e assim sendo, metia-me impressão assistir a essa parte tão essencial, riscada e aos trambolhões, rebolando sem rumo, pelo ar aquecido deste espaço fechado à frente do mar. Estava a ficar maluca.
No entanto, e por falar em espaço, este estava cheio. Cheio mas confortável. Gente bonita, educada, gente que não grita, fala baixo, como manda a etiqueta. O sol, não muito forte, entrava pelas suas têmporas e pelos seus olhos, protegidos com óculos de sol de marca e oferecia uma cor amarela nublada aos seus pratos, às suas conversas,à sua tarde familiar de domingo. Estavam todos felizes. E o cd riscado!!
Chamei, então, o simpatico senhor que me tinha sentado à chegada, e com um ar incomodado apontei para cima. Para a coluna, mesmo ao meu lado. Ainda tive a leve esperança da sua compreensão. Mas não. Limitou-se a sorrir e a dizer que ia chamar o colega...Devia julgar que eu pedia a conta.

Por vezes, parece que vivemos numa sociedade de autistas.

Todos os comportamentos são mecânicos, todos os sentimentos controlados, todos os gestos medidos. Sem espaço para que o subtil do elemento descontrua os ritmos animados e sincopados de uma sala repleta de gente, que aproveita a sua tarde de domingo. Afinal, amanhã é já segunda feira...

Eu própria, que me ia tentando alhear daquela confusão, para mim aflitiva, concentrava-me, então, única e exclusivamente na leitura, tratando-a como exercício mental. Para não me enervar mais, afinal tinha escolhido este sítio para me descontrair e me lançar em divagações que podiam ser tudo menos mentalmente disléxicas. Como a voz do pobre homem, que ao querer sair bloqueva vezes e vezes sem conta na mesma sílaba. Fiz força,apesar disso, durante uma mudança de linha e tentei imaginar o que o meu amigo"the voice" estaria agora a tentar gagejar. E assim foi. Parece que consegui. Até que enfim! E nem tive que fazer um grande esforço... Finalmente, ele gritou com a alma em fogo, como se ali estivesse mesmo ao meu lado, aliviado e como uma mensagem de luz: "New York, New Yorkkkk!!..".

E assim, à beira mar, numa praia da linha de Cascais, pensando o que fazer à vida, ouvia eu finalmente o cd, já sem estar riscado. Ouvia na perfeição, enquanto olhava fixada, o Oceano Atlântico e um qualquer outro café do outro lado do mundo: " I wanna wake up in the city that never sleeps..".
Irónico? Sim. Mas mesmo assim, já não tão contraditório como a esquisofrenia de um som riscado que interrompia a memória e o pensamento. Tudo menos isso. E eu já conseguia respirar fundo.
"If I can make it there, I'll make it anywhere..." Pois. " It's up to you..". Ah, pois é. E eu, aqui sentada a tentar descortinar o que me queres tu dizer.
As músicas, as canções, as suas letras e melodias servem para isso. Para nos dar sinais e pistas, contar estórias, arrepiar os pelos, construir a nossa própria banda sonora, oferecer momentos únicos e que só nós percebemos. Por isso, é que me irritava o cd estragado. Será que não te devia ter ouvido, Frank? Teria sido tudo isto uma espécie de complot?

Será que também sou eu um pouco autista? Será que fui eu a única a perceber-te? Será que tu gostavas de passear à beira mar?


quinta-feira, fevereiro 12, 2004

Resistência  

Sopro a tua resistência até ao limite da minha.
Para que os nossos olhos se fundam no celeste suspirar dos nossos beijos.

Sem pensar senão no amor.
Sem beber senão do eterno.

Não oiço senão as tuas.
Palavras tuas.

Afasto. Afasto-te para te aproximar.
Aproximo-me para nunca me afastar.

Sopro a tua temperança até o ameno dos teus dias.
Para que o sossego seja o leito do nosso acordar.




quarta-feira, fevereiro 11, 2004

...se bem que o mundo também pode ser a porta do Corte Inglês....Acham normal, ter encontrado este mesmo homem, hoje à noite á porta dos cinemas?...Parei o carro e disse-lhe que tinha escrito sobre ele na internet. Ele ficou contente. E convidou-me para passar um dia pelo Saldanha e falar um bocadinho com ele. Eu, que julgava que ele não gostava de falar. Assim, com tanta proximidade... Irónico também, foi a fila de trânsito que se formou atrás do meu carro, enquanto esta curta conversa tomava lugar. E, por incrível que pareça, foi a primeira vez que ao sentir a presença deste distinto senhor nenhum carro apitou. Talvez, porque, nesta exacta situação, se alguém o fizesse seria para o apressar. E ninguém quer apressar o mito vivo da praça do saldanha. Mesmo que não saiba quem é. Porque os mito são assim, perceptiveis. E como todos sabemos que fala pouco, este dedo de conversa que teve comigo, eu, que o tinha tido por perto durante a tarde toda, enquanto escrevia sobre ele, tinha inevitavelmente que ocorrer sem perturbações. E ninguém apitou. E ele convidou-me para lhe fazer companhia um destes dias. E foi-se embora a acenar sorridente. Chama-se José.

terça-feira, fevereiro 10, 2004

O Mundo é a praça do Saldanha 

Não sei há quantos anos o vejo ali. Talvez há quantos a sua solidão lhe permita distribuir sorrisos nas também suas noites sem horas. Já ouvi por alto a sua história, já lhe tentei vestir a pele e perceber tamanho sofrimento, tão bem aproveitado. Sim, porque, se bem espremido e escarafunchado, do sofrimento também se pode espremer um sumo minimamente doce. Depende do gosto, da necessidade de açucar... Eu gosto. Mesmo sabendo que é provindo do desgosto.

A verdade é que o seu sofrimento alegra o dos que por lá passam. Coloca-lhes um conforto de ternura nos lábios. Distrai-os do frio mais rigoroso, precipita momentos de pausa em discussões de vidro fechado, rouba, por instantes da lua os mais distraídos, faz os ouvintes de radio ouvirem um outro som. O som do silencio. O som do sorriso. O som dos outros sentidos. Da gola alta bordeaux. Do casaco de veludo cintado. Do cabelo branco sempre tão bem penteado.

É, unicamente, para chamar a atenção dos seus olhos atentos , que concordo que os carros sejam apetrechados com uma buzina, que gosto de ouvir apitar nessa ocasião. Porque todos quantos o fizerem, àquela hora sem hora, na mais central das centrais praças de Lisboa, conhecem também o aceno que trás uma vida. Ou a falta dela.

Era casado e apaixonado e enamorado e feliz. Eram dois. Ela era o seu outro eu. Ela era o seu sorriso, o seu aceno sem ser de adeus, o seu estado de sobriedade embriagada. Ela foi-se embora. Morreu. Mais cedo do que se esperava. Pelo menos mais cedo que ele, que nunca contou ter que lidar com esta ausência. Ele ficou e teve que lidar com essa permanência. Pesada, sombria, fria. Por isso, usa gola alta. Para que o seu pescoço se resguarde do frio que a falta faz. Ficou e amaldiçoou o mundo... Mas só por uns dias.

O mundo é a praça do Saldanha. É aí que todos passam. Pelo menos, os que importam. Era aí que eles passeavam. Paravam nos semáforos, viam as montras, comentavam as roupas modernas dos casais jovens. O mundo é injusto porque a matou. Mas não vale a pena a vingança.

O mundo só se redimirá pelo amor. Pela simpatia. Pelo sorriso infeliz de uma felicidade anterior. Por isso, vestido a rigor- pelo menos para nós, os que temos as tais roupas modernas- distribui sorrisos tão grandes como o seu mundo. Sem horas. Sem dias, só noites. Sem nada nos bolsos a não ser a saudade. E nós, os que passamos, ao recebê-la ao movimento de uma mão no ar, fazemos da sua vida uma tarefa. Fazemos da buzina do nosso carro um objectivo. E chegamos à conclusão que o mundo é a praça do Saldanha.



segunda-feira, fevereiro 02, 2004

Três dias  


Man Ray, 1932 - "Tears"



Ela chorava. Não parava de chorar. Três dias e três noites em que as lágrimas lhe faziam mais companhia do que alguma vez tinha tido. Chorava e ao sentir a humidade de sal escorregando pelas suas bochechas, correndo até à sua boca, ao seu pescoço e algumas até ao cós da sua camisola de gola alta, julgava-se submersa num banho quente de carícias. Ela assim o tinha escolhido. Gostava deste choro silencioso que a protegia da chuva do dia. Gostava de se sentir refém dos seus próprios sentimentos. Gostava que a sua tez ficasse vermelha de tanta dor expelida pelos poros.

No dia antes de ter começado esta maratona, Joana tinha dito no emprego que ia aproveitar o feriado para ir a casa dos primos, descansar no monte onde tinha brincado em pequena. Mas já sabia que não ia. Nem sequer tinha que lhes ter dado satisfações, mas só de pensar que alguém pudesse imaginar o que iria fazer, só lhe apetecia chorar ainda mais. Por isso, decidiu mentir a quem não tinha que dizer a verdade. E assim foi; na quinta feira, às 7 da tarde correu ainda até uma farmácia aberta e comprou pingos para o nariz e creme hidratante para a pele sensível. Sabia, que a vermelhidão e a acidez lhe poriam a derme, a epiderme, até a carne e as veias secas, sem falar no estado em que deixaria a sua alma. A alma, essa, secaria mais tarde, ia sumindo de mansinho, de acordo com o volume de lágrimas que se soltariam dos seus sacos lacrimais. Mas sabia também que era a única forma...Preparou-se e soube que era agora ou nunca.

Há meses que quase explodia. Fingia ser dura, mas a verdade é que estava a pisar o risco. Muita emoção junta, nunca tinha dado para aguentar de forma impávida e serena. Não dá para não deitar uma lágrima e depois esperar que corra tudo bem. E sabia, então, que seria este o dia escolhido para começar. O dia da revolta interior, que apesar de a afligir, lhe apaziguava também o espírito e lhe dava sentido à vida. Sabia, porque quase tinha começado no mesmo dia à tarde, quando no trânsito lhe chamaram um nome: "Irresponsável!!...", gritou um homem bem pronto e com um penteado da moda, num descapotável azul escuro. Irresponsável. Toda a tarde a maldade da palavra lhe tinha injustiçado o pensamento. Para ela, a Palavra era algo de sagrado, podia dar força mas espetar, esfaquear uma pessoa também...Pobre Joana, que desde logo se lhe tinham espelhado os olhos... Mas aguentou. Foi ainda forte e almoçou uma salada de frango, pensando na irresponsável que era em comer o coitado do bichinho e conseguiu superar ainda a irresponsabilidade, de em semana de dieta, lhe ter apetecido beber uma groselha cheia de açúcar. Mas aguentou.

Chegou a casa eram quase 8 e ele ainda não tinha aparecido. Enrolou-se numa colcha de lã cor de laranja e depois de ter aberto os estores deixou-se assim banhar pelo branco acinzentado de uma lua a caminho de cheia. Cheia de luz para lhe dar. E foi assim que começou. Imaginou-se, não só banhada pela luminosidade do astro, mas também pelo seu próprio choro. E começou. E soube-lhe bem.

Esperou que ele chegasse para o avisar. Explicou-lhe, soluçando uma estória atabalhoada que ele não percebeu. Falou em ultrapassar limites, em precisar de descarregar para só depois voltar a querer a energia da vida, em precisar de estar sozinha, sem o estar na realidade afinal. Pediu-lhe um espaço que ele deu. Deu-o com a maior das facilidades, e ela, triste, chorou ainda mais. Acabou ele, afinal, por ir para o tal monte dos primos dela, num Alentejo próximo das memórias da cidade onde Joana ficou. A chorar. Três dias e três noites em que não parou. De dia, no conforto da manta já molhada nos cantos enrodilhados nas suas pequenas mãos, de noite, chorava nos seus sonhos. E aí, nem mesmo os olhos fechados, a impediam de oferecer aos lençóis as gotas terapêuticas do seu triste cansaço.

Três dias e três noites. E ele que não ligou. A Joana tinha-lho pedido e ele fez-lhe a vontade. Também por isso ela chorou. Chorou tanto até já não ter mais lágrimas. E elas foram mais do que alguma vez se julgou ser humanamente possível verter. Mais de mil. Talvez 3 mil, mil por dia. Ou até o dobro, nunca se chegou a saber. O sofrimento foi tal, tão compulsivo, desesperado, que se cansou ele também. Finalmente. A Joana, na noite de domingo, fartou-se de estar cansada, de chorar e de sofrer. Passou ainda um noite molhada em si mesma, mas quando acordou, na 2º feira, com ele, já deitado ao seu lado, levantou-se sorridente, correu a lavar a cara e os dentes, colocou uma camada de creme hidratante e foi trabalhar como se nada se tivesse passado.

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